PULMÃO DA MINA




PULMÃO DA MINA
Ferro, prata, cobre, anil, pedra de minério de ferro e corda
300 m²
2023



Equação:

✚ : caminho (possibilidade)
➔ : vetor de acontecimento
Cobre e prata: condução de energia e informação. Ar.
Ferro: corpo preto
Ouro: morte e eternidade

“O espaço intermediário entre o céu e a terra é preenchido por um sopro”.

No Brasil os africanos escravizados levavam um canário para a mina de ouro. O canário é um pássaro que canta muito e possui o pulmão muito sensível a gases tóxicos como metano ou monóxido de carbono. Quando o pássaro parava de cantar ou demonstrava qualquer tipo de estresse, os mineiros sabiam que era necessário sair da mina para não morrer intoxicado e compreendiam também a necessidade de abrir um respirador (túnel ascendente que era aberto do teto da mina até o chão da floresta, para que através desse buraco pudesse entrar mais oxigênio e sair os gases tóxicos). Na maioria das vezes o canário morria, mas o sinal que a morte do pássaro trazia impedia a morte de inúmeros mineiros africanos.

No Haiti o som que guiava a fuga das pessoas escravizadas era o som do lambi (caramujo marinho conhecido como concha-rainha). Em meio ao escuro da floresta, o sopro no corpo da concha criava o som que conduzia os corpos pretos para a liberdade.

O ar conduz a resistência de quem esquiva dos sistemas de violência. O vento é o próprio caminho de quem escapa.

No reino mineral a prata é o metal mais condutivo, posterior a ela vem o cobre.
Na cosmologia chinesa o metal é o elemento associado ao pulmão.

Ao pensar a relação entre a maneira de escapar da morte na mina e o que era retirado de dentro dela é possível estabelecer uma relação entre o metal e o ar através da condutividade de ambos os elementos. O sopro e o metal são condutores de energia, liberdade e desvio.




PULMÃO DA MINA

Por Thiago de Paula Souza, 2023

A transmissão de histórias orais é uma das fontes da pesquisa de Luana Vitra. De origem mineira, cresceu ouvindo relatos de parentes que envolvem desde celebrações, saberes e tecnologias afro-diaspóricas, aos traumas do passado escravista da região de Ouro Preto, onde vive sua família. Assunto constante são as histórias que envolvem o legado de séculos de economias extrativistas que ainda promovem a degradação dos ecossistemas locais. Desses relatos, Vitra se recorda de ouvir sobre pessoas escravizadas que costumavam levar canários para o trabalho em minas de ouro. Pássaro de canto incessante e metabolismo acelerado, era utilizado como sentinela. Seus pulmões reagiam em instantes à presença de gases tóxicos emanados pela extração mineral, e seu silêncio era o alerta para que os mineiros abrissem caminhos para escapar daquelas galerias, evitando os perigos de uma intoxicação letal.

A sobrevivência daquelas pessoas significava a morte das aves, evidenciando como o regime escravagista não devastou apenas vidas humanas, mas estendeu seu terror sobre outras espécies.

A narrativa acima é o ponto de partida da obra de Luana Vitra para a 35ª Bienal de São Paulo. A instalação tem como elemento principal uma série de flechas-patuás preparadas para o desbloqueio de caminhos. Feitas de ferro, material paradigmático e de uso recorrente em seus trabalhos, elas atuam como condutores, apontando para lugares de prosperidade onde a “possibilidade prevalece”. Ao centro da instalação, nota-se que algumas delas estão agrupadas e posicionadas diagonalmente entre si. Para Vitra, essa composição cria um caminho que espacializa os significados e as possibilidades que cada agrupamento carrega. Somam-se à composição do trabalho, cuias de cobre, pássaros banhados em prata e cobre, metais de alto caráter condutivo e pó de anil, substância frequentemente utilizada para limpeza energética.