PULMÃO DA MINA


Por Thiago de Paula Souza, 2023


A transmissão de histórias orais é uma das fontes da pesquisa de Luana Vitra. De origem mineira, cresceu ouvindo relatos de parentes que envolvem desde celebrações, saberes e tecnologias afro-diaspóricas, aos traumas do passado escravista da região de Ouro Preto, onde vive sua família. Assunto constante são as histórias que envolvem o legado de séculos de economias extrativistas que ainda promovem a degradação dos ecossistemas locais. Desses relatos, Vitra se recorda de ouvir sobre pessoas escravizadas que costumavam levar canários para o trabalho em minas de ouro. Pássaro de canto incessante e metabolismo acelerado, era utilizado como sentinela. Seus pulmões reagiam em instantes à presença de gases tóxicos emanados pela extração mineral, e seu silêncio era o alerta para que os mineiros abrissem caminhos para escapar daquelas galerias, evitando os perigos de uma intoxicação letal.

A sobrevivência daquelas pessoas significava a morte das aves, evidenciando como o regime escravagista não devastou apenas vidas humanas, mas estendeu seu terror sobre outras espécies.

A narrativa acima é o ponto de partida da obra de Luana Vitra para a 35ª Bienal de São Paulo. A instalação tem como elemento principal uma série de flechas-patuás preparadas para o desbloqueio de caminhos. Feitas de ferro, material paradigmático e de uso recorrente em seus trabalhos, elas atuam como condutores, apontando para lugares de prosperidade onde a “possibilidade prevalece”. Ao centro da instalação, nota-se que algumas delas estão agrupadas e posicionadas diagonalmente entre si. Para Vitra, essa composição cria um caminho que espacializa os significados e as possibilidades que cada agrupamento carrega. Somam-se à composição do trabalho, cuias de cobre, pássaros banhados em prata e cobre, metais de alto caráter condutivo e pó de anil, substância frequentemente utilizada para limpeza energética.